Arraias: perigo para pescadores e turistas escondido nos rios
Acidentes com arraias de água doce atingem centenas de pessoas por ano e representam um problema de saúde pública
Durante a estiagem, que vai de maio a setembro, as águas dos rios baixam nas regiões norte e centro-oeste do Brasil, formando atraentes praias fluviais nos grandes rios. Os bancos de areia viram ilhas, e os turistas vêm em busca de diversão. Ao entrar sem cuidado nas praias de água doce, muitas vezes pisam em raias, que reagem com seu afiado ferrão. Embora sejam animais de natureza dócil, acabam se tornando agressivas, usando seu instinto de proteção.
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Figura 1. Arraia do Araguaia, Potamotrygon orbigny |
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Figura 2. O biólogo Domingos Garrone Neto |
Não só os turistas, mas também pescadores, mergulhadores e aquaristas podem se tornar vítimas, pisando ou manuseando esses animais. O biólogo Domingos Garrone Neto conviveu seis meses com pescadores da Colônia Aspesca de Araguacema, em Tocantins, estudando acidentes de trabalho com raias, piranhas, poraquês e outros animais aquáticos. “Ao contrário das espécies marinhas, que nem sempre apresentam ferrões, as raias de água doce possuem ferrões desde seu nascimento. Eles crescem com animal e são trocados de tempos em tempos”, afirma Garrone, que é membro do Grupo de Estudos de Raias de Água Doce (Gerad). “O que aumenta as probabilidades de acidentes são o turismo em balneários fluviais, a água turva dos rios e a pesca profissional em áreas mais rasas”, acrescenta.
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Figura 3. Captura de raias no manguezal de João Pessoa, PB |
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Figura 4. Raia Potamotrygon falkneri, capturada em Três Lagoas, MG |
Primeiros socorros
O que fazer para socorrer uma vítima ferroada por arraia? O biólogo explica que é preciso manter a calma e lavar o local imediatamente com água e sabão. Em seguida, para aliviar a dor, você pode jogar água quente não escaldante sobre o local ferroado, utilizando um pedaço de pano ou camiseta para que a água não caia diretamente sobre a pele.
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Figura 5. Ferrões de raia de água-doce, Potamotrygon falkneri |
Segundo o médico Vidal Haddad Jr., da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, que já atendeu muitas vítimas de acidentes com animais aquáticos no Pronto Socorro de Ubatuba e outras cidades do Brasil, o ideal é buscar auxílio médico, que poderá providenciar, quando necessário, a vacinação anti-tetânica e outras medicações complementares. Além de dor intensa por cerca de duas horas, aparecem muitas vezes sintomas como febre, suores, náusea, agitação e vômitos. A recuperação sempre exige o repouso, impossibilitando a vítima para o trabalho, muitas vezes por até três meses. Embora não existam registros de mortes decorrentes deste tipo de acidente, complicações sérias podem acontecer devido ao processo de necrose dos tecidos atingidos e pelos altos índices de infecções bacterianas secundárias. Garrone, Haddad Jr. e os pesquisadores João Batista de Paula Neto, Fernando Marques e Kátia Cristina Barbaro, estudaram 84 casos de acidentes com raias do gênero Potamotrygon, nos rios Paraguai, Paraná, Tocantins e Araguaia, nas cidades de Corumbá e Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, Presidente Epitácio em São Paulo, Foz do Iguaçu, no Paraná e Araguacema e Araguaína, no Tocantins.
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Figura 6. Raia Potamotrygon motoro |
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Figura 7. Dr. Vidal Haddad Jr., da Medicina, Unesp, Botucatu |
Arraias marinhas
Para Haddad Jr., as ocorrências com raias de água doce têm sido mais graves do que com as raias marinhas. Apesar de não serem tão freqüentes, os acidentes com raias marinhas podem acontecer em função do manejo indevido destes animais por pescadores na remoção das raias de anzóis ou redes. Alguns exemplos de espécies de água salgada que possuem ferrões são as raias prego (Dasyatis sp.), a raia pintada (Aetobatus narinari), a raia borboleta (Gymnura sp.) e a raia ticonha (Rhinoptera sp.).
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Figura 8. Raia pintada, Aetobatus narinari |
Os acidentes com raias marinhas, embora não sejam tão freqüentes entre banhistas, podem acontecer de madeira semelhante aos que acontecem nos balneários de água doce. Já entre os pescadores do mar, as raias, quando capturadas por anzóis, redes, tarrafas ou arpões, podem se tornar agressivas, desferindo golpes com a cauda. Todo o cuidado é pouco, pois é possível se acidentar com o ferrão durante o manuseio da raia, mesmo com o animal morto. “Nunca se deve amputar a cauda das raias, e devolvê-las ao mar ou rio”, diz Garrone. “Isto é prejudicial ao animal, que não conseguirá desenvolver normalmente suas funções. O bom pescador é aquele que consegue conviver em harmonia com seu ambiente de trabalho”.
Quanto às raias de água doce e marinhas, o biólogo dá um último conselho. “Ao andar em praias, bancos de areia, desembocaduras de rios e mangues, o ideal é arrastar os pés no fundo ou tatear o substrato com um pedaço de madeira, para afastar eventuais raias que estejam cobertas pela areia ou lodo”. Com estes cuidados, o homem pode apreciar de perto a beleza destes animais, respeitando a harmonia da natureza.
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Figura 9. Logotipo do Gerad |
Saiba mais sobre o Gerad
O Grupo de Estudos de Raias de Água Doce (Gerad) foi criado em 2005 pelo médico Vidal Haddad Jr, da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, pelo biólogo Domingos Garrone Neto, doutorando em Zoologia pelo Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu, e por Maria José Alencar Vilela, doutora na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O objetivo do grupo é ampliar os estudos de raias de água doce, sobretudo das espécies que ocorrem na região do Alto Rio Paraná, e também com a mais recente descoberta de ocorrência no Baixo Rio Tietê. O recém-criado grupo já conta com a participação de cientistas de diversas partes do país, como Virgínia Sanches Uieda (doutora na Unesp de Botucatu), Ricardo Rosa (doutor na Universidade Federal da Paraíba –UFPB), Patrícia Charvet-Almeida (mestre na UFPB), João Luís Costa Cardoso (doutor no Instituto Butantan), Otto Gadig (doutor na Unesp de São Vicente), além de alunos dos cursos de ciências biológicas da UFMS e outras instituições.
*As fotos fazem parte da coleção do biólogo Domingos Garrone Neto e do médico Vidal Haddad Jr., e foram gentilmente cedidas para esta matéria. Mais informações sobre o assunto pode ser encontradas no site www.dangerousaquaticanimals.com.br.
Apoio: Instituto de Pesca www.pesca.sp.gov.br; Nupec www.nupec.com.br; Museu de Mar www.museudomar.com.br; Iate Clube de Santos www.icsantos.com.br; Yacht Club de Ilhabela www.yci.com.br; Iate Clube do Rio de Janeiro www.icrj.com.br; Costa Azul Iate Clube www.cazul.com.br e Iate Clube da Barra do Una, iateuna@uol.com.br.